Explorando os Mecanismos de Desenvolvimento Neural

Autora: Gabrielle Aguiar Mota
Ilustrações: Helen indalencio Gomes

Laboratório de Neurohistologia – Centro de Matemática, Computação e Cognição (Universidade Federal do ABC)

O cérebro humano é, sem dúvidas, o sistema biológico mais complexo e menos compreendido de todos os organismos conhecidos. Entender como esse sistema se desenvolve e alcança tal nível de complexidade é mais do que uma tarefa importante, é uma tarefa instigante!

O desenvolvimento neural é um processo complexo e dinâmico, que envolve desde a expressão gênica e cascatas moleculares até a influência do ambiente. Embora nenhum desses elementos, isoladamente, determine o curso do neurodesenvolvimento, eles se sobrepõem e interagem para sustentar os eventos que se iniciam na concepção e continuam ao longo da vida adulta.

Figura 1: O neurodesenvolvimento é influenciado por fatores externos, expressão gênica e cascatas bioquímicas.

O estudo do desenvolvimento do sistema nervoso, incluindo o cérebro, tem sido o foco de muitos pesquisadores ao redor do mundo – incluindo nosso grupo de pesquisa. Essa dedicação se deve não apenas à complexidade e importância do tema, mas também à aplicabilidade desses conhecimentos na compreensão das crescentes doenças do neurodesenvolvimento. Entender esses processos nos ajuda a desenvolver estratégias para tratar ou prevenir essas condições.

As doenças do neurodesenvolvimento são um grupo de distúrbios em que há alguma falha no neurodesenvolvimento e podem incluir disfunções cerebrais, manifestando-se como problemas neuropsiquiátricos, dificuldades motoras, ou deficiências de aprendizado, linguagem ou na comunicação. A lista inclui algumas das doenças que mais crescem nos últimos anos como autismo, déficits de atenção, esquizofrenia e epilepsia.

Suas causas variam desde mutações genéticas até fatores como asfixia, infecções perinatais e inflamações no sistema nervoso, todos servindo como fatores de risco para doenças do neurodesenvolvimento. O tempo específico em que a expressão gênica é combinada com as experiências externas é chamado de período crítico e também apresenta importante influência na maturação funcional do cérebro.

Fases do Neurodesenvolvimento

Como o cérebro de um bebê, começando como uma pequena rede de células, pode se desenvolver em algo tão complexo e sofisticado? O desenvolvimento neural pode ser dividido em três fases principais: embrionária, fetal e pós-natal.

Em humanos, a fase embrionária ocorre desde a concepção até a oitava semana de gestação. É nesse estágio que as primeiras estruturas do sistema nervoso começam a se formar. Durante a terceira semana, o embrião, uma estrutura oval simples, passa por um processo chamado gastrulação, formado por três camadas de células: ectoderma, mesoderma e endoderma.

A partir de então, as bordas laterais da ectoderma se elevam, se contraem e se fundem para formar um cilindro oco conhecido como tubo neural. As células progenitoras neurais na parte mais anterior do tubo neural originarão o telencéfalo e diencéfalo, enquanto as células mais posteriores darão origem ao mesencéfalo, rombencéfalo e à medula espinhal.

Figura 2: à esquerda, estão ilustradas as três camadas celulares que irão originar o tubo neural. Externamente, está a ectoderme. Então a mesoderme e, mais internamente, a endoderme. As bordas laterais da ectoderma se elevam e se fundem para formar um cilindro oco chamado de tubo neural. Á direita, pode ser vista a divisão das células progenitoras neurais que irão formar prosencéfalo, mesencéfalo e rombencéfalo.

Nos meses seguintes, o embrião passa por um rápido crescimento e desenvolvimento. A padronização neural que surge no período embrionário fornece apenas um mapa primitivo da eventual organização do sistema nervoso, mas prepara o terreno para desenvolvimentos posteriores.

A fase fetal começa aproximadamente na nona semana de gestação e se encerra no nascimento. O cérebro humano, que inicialmente é uma estrutura lisa, gradualmente desenvolve o padrão maduro de dobramentos, giros e sulcos que você deve se lembrar. Essas mudanças macroscópicas refletem grandes alterações celulares que estão ocorrendo simultaneamente.

Na sexta semana de gestação, se inicia a produção de neurônios, chamada de neurogênese. A neurogênese ocorre principalmente na zona ventricular, de onde os neurônios migram radialmente para o neocórtex em desenvolvimento. As camadas de neurônios que se formam no córtex contém diferentes tipos de neurônios que se diferenciam nesta fase. No início do desenvolvimento, as células progenitoras de neurônios podem gerar qualquer tipo de célula neural, mas à medida que o desenvolvimento progride e alguns tipos celulares não são mais necessários, perdemos a capacidade de gerar essas células.

No cérebro adulto, há neurogênese apenas na zona subventricular (migrando para o bulbo olfatório) e no giro denteado do hipocampo. Essas formas excepcionais de neurogênese parecem persistir durante toda a vida adulta, embora representem uma pequena porcentagem da população neuronal total.

Por outro lado, a proliferação e migração de progenitores gliais continua por um período prolongado pós-natal, à medida que os oligodendrócitos e astrócitos se diferenciam. Os progenitores gliais, especialmente as células progenitoras de oligodendrócitos (OPCs), parecem persistir indefinidamente no cérebro adulto, possuindo uma ampla distribuição anatômica e a capacidade de se diferenciar em resposta a lesões.

Finalmente, o Sistema Nervoso está na fase pós-natal. Além da migração e diferenciação, os neurônios passam por um processo de mielinização, no qual uma proteína chamada mielina se acumula ao longo dos axônios. Essa substância é crucial para aumentar a velocidade de transmissão dos sinais neurais.

Outro processo importante nessa fase é a poda neural. O desenvolvimento cerebral envolve a produção excessiva de neurônios, células gliais, processos neurais e sinapses, exigindo uma “limpeza” das células não utilizadas. Isso é alcançado por meio de um processo de morte celular programada conhecido como apoptose. Embora o pico da apoptose neural ocorra durante a fase pré-natal, ela é essencial não apenas para eliminar células e conexões desnecessárias, mas também para fortalecer aquelas que estão em uso ativo.

Expressão gênica

 O desenvolvimento neural requer uma combinação complexa de padrões de expressão gênica para gerar a diversidade celular necessária para a função normal. Apesar de todas as células conterem o mesmo material genético, o modo como as células se especializam em diferentes tipos – como neurônios, astrócitos, oligodendrócitos – e mantêm funções distintas depende de uma regulação complexa das células de um estado imaturo (não diferenciado) para um estado maduro (diferenciado).

 Uma das formas de gerar essa variação de combinações é por meio de mudanças no DNA, nas histonas (proteínas em torno das quais o DNA se enrola) e no RNA. Os mecanismos que são capazes de, por meio de pequenas modificações nessas estruturas, mudar a expressão gênica são chamados de epigenéticos. Esses processos não agem isoladamente, mas interagem em conjunto para gerar tipos celulares diferentes definidos durante a diferenciação e maturação.

A influência do ambiente

O córtex só alcança o estágio de maturidade e complexidade quando, além das informações internas de sinalização molecular e atividade entre regiões, recebe também informações externas específicas à experiência individual. Por isso, podemos afirmar que a interação com o ambiente é um fator crítico para um desenvolvimento neural saudável. O desenvolvimento da organização normal do cérebro requer a entrada de informações por meio de todos os principais sistemas sensoriais – visual, auditivo, olfativo, somatossensorial, gustativo e vestibular.

Se há ausência de informações externas, esses sistemas podem apresentar falhas em seu curso e expressar um desenvolvimento diferente do normal. As primeiras experiências de um indivíduo têm um papel essencial no desenvolvimento normal do cérebro. Ainda no útero, o feto já é influenciado pela forma como a mãe interage com o ambiente externo. Por exemplo, a deficiência de iodo durante a gravidez é a causa evitável de distúrbios de neurodesenvolvimento mais comum em todo o mundo.

Em idades mais avançadas, o sistema nervoso em desenvolvimento – e até mesmo o maduro – continua a exigir informações para adquirir novos conhecimentos e desenvolver sistemas neurais funcionais. De forma que, ao longo do desenvolvimento, a experiência desempenha um papel essencial no estabelecimento e no refinamento da organização neural de forma a permitir que o organismo se adapte à imprevisibilidade normal ao mundo em que vive.

Referências

STILES, Joan; JERNIGAN, Terry L. The Basics of Brain Development. Neuropsychology Review, v. 20, n. 4, p. 327–348, 2010.

CHAKRABORTY, Ranabir; VIJAY KUMAR, M. J.; CLEMENT, James P. Critical aspects of neurodevelopment. Neurobiology of Learning and Memory, v. 180, p. 107415, 2021.

SALINAS, R.D.; CONNOLLY, D. R.; SONG, H. Invited Review: Epigenetics in neurodevelopment. Neuropathology and Applied Neurobiology, v. 46, n. 1, p. 6–27, 2020.

VAN OOYEN, Arjen. Using theoretical models to analyse neural development. Nature Reviews Neuroscience, v. 12, n. 6, p. 311–326, 2011.

Neurodevelopment and the Origins of Brain Disorders. Neuropsychopharmacology, v. 40, n. 1, p. 1–3, 2015.

SHERR, Elliot H. Neurodevelopmental Disorders, Causes, and Consequences. In: Genomics, Circuits, and Pathways in Clinical Neuropsychiatry. [s.l.]: Elsevier, 2016, p. 587–599. Disponível em: <https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/B9780128001059000366>. Acesso em: 1 ago. 2024.

4 comentários sobre “Explorando os Mecanismos de Desenvolvimento Neural

  • Olá, gostei do texto Parabéns!
    Está bem desenvolvido e é informativo na medida certa.
    Seria interessante, adicionar, como é q esse sistema nervoso se “vê“ enclausurado num sistema ósseo. Talvez, tb, adicionar algumas questões reflexivas .
    Excelente e necessária iniciativa !

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *