Como o estresse oxidativo se relaciona com as crises epilépticas?

Glenda Sinara Teodoro de Lima

Laboratório de Neurogenética – Centro de Matemática, Computação e Cognição (Universidade Federal do ABC)


A epilepsia é uma condição neurológica que se manifesta por meio de alterações contínuas no funcionamento cerebral. Suas causas são variadas, incluindo lesões cerebrais, anomalias genéticas, infecções, distúrbios metabólicos e, em alguns casos, causas desconhecidas. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a epilepsia afeta cerca de 65 milhões de pessoas globalmente, sendo mais prevalente em países de baixa e média renda [1]. Essa maior prevalência está associada ao acesso limitado a cuidados de saúde, diagnósticos inadequados, tratamentos insuficientes e condições socioeconômicas desfavoráveis. Fatores de risco como traumas cranianos, infecções neonatais, complicações no parto, desnutrição e infecções parasitárias, como a cisticercose, também contribuem para a incidência da epilepsia nestes países.

Entre as diversas formas de epilepsia, a Epilepsia do Lobo Temporal (ELT) é a mais comum, representando até 60% dos casos [2]. Destes, de 30% a 40% dos pacientes com ELT não respondem aos tratamentos medicamentosos disponíveis [3], o que torna fundamental a investigação dos mecanismos fisiopatológicos da doença para o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas.

Imagine o cérebro como uma vasta floresta, onde as árvores representam os neurônios e as trilhas são as sinapses que permitem a comunicação entre eles. Para que essa floresta funcione harmoniosamente, é necessário um equilíbrio delicado entre crescimento, renovação e proteção. No entanto, essa floresta pode ser perturbada por eventos como o estresse oxidativo, que age de modo destrutivo. As espécies reativas de oxigênio (EROs) são moléculas altamente reativas que podem danificar os neurônios e as sinapses, comprometendo a comunicação entre as células cerebrais.

O estresse oxidativo ocorre quando há um desequilíbrio entre a produção de EROs e a capacidade do organismo de neutralizá-las com antioxidantes. Esse desequilíbrio pode levar a danos celulares significativos, incluindo a morte de neurônios, que são particularmente vulneráveis a esse tipo de estresse. Além disso, as EROs podem desencadear uma resposta inflamatória no cérebro, conhecida como neuroinflamação, envolvendo a ativação de células imunológicas, como astrócitos e microglia, as quais produzem citocinas inflamatórias em resposta a danos ou infecções. Embora essa resposta seja uma tentativa do corpo de reparar os danos, ela pode, se prolongada ou excessiva, causar ainda mais danos aos neurônios e sinapses.

Na epilepsia, esse processo é particularmente relevante. Durante uma crise epiléptica, os neurônios entram em uma atividade elétrica atípica e sincronizada, o que pode levar à liberação excessiva do neurotransmissor excitatório glutamato. Essa excitação excessiva, chamada excitotoxicidade, pode aumentar a produção de EROs, amplificando o dano neuronal e intensificando a neuroinflamação [4]. 

Após repetidas crises epilépticas, a microglia permanece ativada por períodos prolongados, resultando em um acúmulo de danos inflamatórios. Essa ativação contínua e cumulativa das células microgliais intensifica a neuroinflamação, tornando-a mais pronunciada. A principal fonte de EROs no cérebro é o sistema enzimático NADPH oxidase (NOX), especialmente a isoforma NOX2, que é abundante nas células gliais, como as microglias, responsáveis pela geração de EROs durante a resposta imune e em condições patológicas, como a neuroinflamação e a epilepsia. Outras fontes de EROs incluem a atividade mitocondrial.

As mitocôndrias são as principais produtoras de energia nas células. No entanto, quando estão danificadas, elas liberam elétrons que podem reagir com o oxigênio e formar EROs. O estresse oxidativo, por sua vez, pode danificar ainda mais as mitocôndrias, criando um ciclo vicioso. Esse ciclo vicioso de estresse oxidativo e neuroinflamação pode aumentar a frequência e a intensidade das crises epilépticas, criando um ambiente propício para a epileptogênese [5].

Partindo desse pressuposto, são avaliados possíveis adjuvantes terapêuticos antioxidantes, como no caso do ácido alfa lipóico (ALA), por exemplo, um antioxidante que atua tanto em ambientes aquosos quanto lipídicos, ajudando a regenerar outros antioxidantes como a vitamina C e E.

Assim, ao explorar seus efeitos, o ALA atenuou o estresse oxidativo e o dano neurológico em um modelo de rato de epilepsia induzido por pentilenotetrazol. O estudo mostrou ainda que o tratamento com ALA reduziu significativamente os marcadores de estresse oxidativo (por exemplo, malondialdeído, atividade da superóxido dismutase) e protegeu contra a perda de células do hipocampo, o que é crítico para reduzir a gravidade das crises epilépticas [6].

Compreender a relação entre o estresse oxidativo, a neuroinflamação e a epilepsia é fundamental para o desenvolvimento de novas terapias. Ao controlar o estresse oxidativo e reduzir a inflamação, podemos diminuir a frequência e a intensidade das crises, melhorando significativamente a qualidade de vida dos pacientes. Abordagens terapêuticas potenciais incluem o uso de antioxidantes para combater as EROs, anti-inflamatórios para reduzir a resposta inflamatória e estratégias para modular a atividade elétrica anormal dos neurônios. Essas intervenções podem ajudar a proteger a “floresta cerebral” e promover um funcionamento mais harmonioso do cérebro.

Referências

1. EPILEPSY. Organização Mundial da Saúde (OMS). Epilepsy fact sheet. Geneva: WHO, 2022. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/epilepsy. Acesso em: 18/10/2024.

2. TEMPORAL LOBE EPILEPSY. Cleveland Clinic. Disponível em: https://my.clevelandclinic.org/health/diseases/17778-temporal-lobe-seizures. Acesso em: 18/10/2024.

3. KARGER Publishers. Refractory Epilepsy: A Clinically Oriented Review. European Neurology. Disponível em: https://karger.com/ene/article/62/2/65/123937/Refractory-Epilepsy-A-Clinically-Oriented-Review. Acesso em: 18/10/2024.

4. FABISIAK T, Patel M. Crosstalk between neuroinflammation and oxidative stress in epilepsy. Front Cell Dev Biol. 2022 Aug 10;10:976953. doi: 10.3389/fcell.2022.976953. PMID: 36035987; PMCID: PMC9399352. Acesso em 24/10/2024.

5. WALDBAUM S, Patel M. Mitochondrial dysfunction and oxidative stress: a contributing link to acquired epilepsy? J Bioenerg Biomembr. 2010 Dec;42(6):449-55. doi: 10.1007/s10863-010-9320-9. PMID: 21132357; PMCID: PMC3102435. Acesso em: 18/10/2024.

6. YAHOLG Cheng et al. α-Lipoic acid alleviates pentetrazol-induced neurological deficits and behavioral dysfunction in rats with seizures via an Nrf2 pathway. RSC Advances. 2017. doi: 10.1039/C7RA11491E. Disponível em: https://pubs.rsc.org/en/content/articlehtml/2018/ra/c7ra11491e. Acesso em 18/10/2024. 7. DE MELO AD, Freire VAF, Diogo ÍL, Santos HL, Barbosa LA, de Carvalho LED. Antioxidant Therapy Reduces Oxidative Stress, Restores Na,K-ATPase Function and Induces Neuroprotection in Rodent Models of Seizure and Epilepsy: A Systematic Review and Meta-Analysis. Antioxidants (Basel). 2023. Acesso em: 18/10/2024.

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