Fotobiomodulação: Uma promissora terapia para o sistema nervoso
Victor Augusto Generoso, Bruna Petrucelli Arruda, Silvia Honda Takada
Ilustração: Helen Indalencio Gomes e Débora Sterzeck Cardoso
Laboratório de Neurohistologia / Centro de Matemática, Computação e Cognição / Universidade Federal do ABC
A fotobiomodulação (FBM) é uma técnica terapêutica que utiliza luz de baixa intensidade para estimular processos biológicos. Sua história remonta ao trabalho pioneiro do médico húngaro Endre Mester, que em 1967 investigava os efeitos do laser em modelos de câncer. Por engano, ele utilizou uma intensidade menor do que a necessária para tratar o tumor e, em vez de destruir o tecido, observou o aumento da vascularização e o crescimento de pelos nas cobaias. Esse achado deu origem à noção de que a luz poderia promover a regeneração e modulação celular, abrindo caminho para a FBM como uma alternativa terapêutica não invasiva (1, 2, 3).
Nas décadas seguintes, os estudos utilizando lasers de baixa intensidade se expandiram em diferentes áreas da saúde. A princípio, a aplicação se concentrou em regeneração de tecidos e tratamento de feridas. Entretanto, ao longo dos anos, observou-se que a FBM tinha potencial para além dos tecidos periféricos, incluindo o sistema nervoso central. Com a evolução dos lasers e LEDs de uso clínico, a técnica passou a ser aplicada em doenças neurológicas, como acidente vascular encefálico (AVE) e Alzheimer, e também em condições psiquiátricas, como depressão e ansiedade (4, 5). Esses avanços marcaram a transição da simples bioestimulação para o uso mais amplo e controlado da luz em terapias celulares e moleculares.
Como Funciona a Fotobiomodulação?
A eficácia da FBM está relacionada à absorção de luz por estruturas celulares chamadas cromóforos, sendo o Citocromo C Oxidase (CCO) o mais relevante para as células do sistema nervoso. A ativação desse cromóforo aumenta a produção de ATP (principal molécula de energia usada nas células biológicas) e desencadeia processos antioxidantes e anti-inflamatórios. Também ocorre a liberação de óxido nítrico (NO), que melhora o fluxo sanguíneo local e reduz a inflamação, promovendo recuperação tecidual e aumento da sobrevivência celular (6).
Durante esse processo, a mitocôndria passa a funcionar melhor, ocorrência essencial para processos como a neurogênese (formação de novas células neurais) e plasticidade sináptica (habilidade das sinapses de modificar sua força e estrutura em resposta a estímulos). Estudos mostram que a luz no espectro infravermelho (especialmente em torno de 808 nm) é capaz de penetrar o couro cabeludo e atingir o tecido cerebral, estimulando essas funções e abrindo novas possibilidades terapêuticas (7).

Aplicações no Sistema Nervoso
A fotobiomodulação é promissora para o tratamento de diversas doenças neurológicas. Em doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson, pesquisas indicam que a técnica pode melhorar a função cognitiva e retardar a progressão dos sintomas. Em modelos experimentais, a luz infravermelha protege neurônios contra o estresse oxidativo e aumenta a plasticidade sináptica (8, 9).
Nos casos de AVE, a FBM tem sido estudada para promover a recuperação motora e funcional, ajudando a diminuir a inflamação, melhorar a circulação e estimular a regeneração neural. Isso facilita a retomada de atividades diárias e a redução da dor (10). Em pacientes com traumatismo cranioencefálico (TCE), a terapia mostrou potencial em reduzir edema cerebral e melhorar o desempenho cognitivo e comportamental (11).
A FBM também tem sido explorada para transtornos psicológicos, como depressão resistente, ansiedade e insônia. Estudos indicam que a aplicação transcraniana da luz melhora o humor e a função cognitiva e regula o sono (12). Outras investigações mostram benefícios em dores crônicas, como na hérnia de disco lombar, aumentando a qualidade de vida dos pacientes (13).
Vantagens da Fotobiomodulação
A FBM é uma terapia não invasiva, indolor e segura, com poucos riscos de efeitos colaterais. Pode ser utilizada isoladamente ou em combinação com outros tratamentos, funcionando como uma abordagem complementar eficiente. A versatilidade da técnica permite sua aplicação tanto em doenças neurodegenerativas quanto na melhora da saúde mental e na regeneração de tecidos. Embora desafios ainda existam, como a padronização dos protocolos, a capacidade da FBM em promover recuperação com poucos riscos coloca essa terapia como uma alternativa promissora.
Limitações e Desafios
Apesar do potencial, ainda existem incertezas sobre os parâmetros ideais de aplicação, como intensidade e tempo de exposição. Um desafio é garantir a penetração da luz sem causar aquecimento excessivo. Pesquisas indicam que densidades abaixo de 500 mW/cm² e comprimentos de onda entre 500 e 1000 nm são seguras e eficazes.
Outro ponto crítico é entender os mecanismos moleculares envolvidos, especialmente em hipóxia e estresse oxidativo. Embora a FBM possa elevar temporariamente os níveis de ROS (espécies reativas de oxigênio), ela também ativa vias antioxidantes que reduzem o estresse oxidativo no longo prazo (15).
O Futuro da Fotobiomodulação
Com o avanço das pesquisas, a fotobiomodulação tem o potencial de se consolidar como uma terapia acessível e eficaz para doenças neurológicas e distúrbios mentais. O desenvolvimento de dispositivos portáteis facilitará o acesso dos pacientes a essa terapia inovadora, melhorando sua qualidade de vida. A padronização de protocolos clínicos, incluindo dosagens e tempos de exposição, será essencial para maximizar os benefícios e garantir resultados consistentes. Além disso, a combinação da FBM com outras terapias, como reabilitação motora e tratamentos medicamentosos, pode potencializar os efeitos terapêuticos e acelerar a recuperação. Essa abordagem integrada poderá transformar a fotobiomodulação em uma ferramenta amplamente utilizada na prática clínica, oferecendo novas esperanças para quem sofre de condições crônicas ou debilitantes.
Referências
- Mester E, Spiry T, Szende B, Tota JG. Effect of laser rays on wound healing. Am J Surg. 1971;122(4):532-5.
- Mester E, Szende B, Tota JG. The effect of laser beams on the growth of hair in mice. Radiobiol Radiother (Berl). 1968;9(5):621-6.
- Hamblin MR. Shining light on the head: Photobiomodulation for brain disorders. BBA Clin. 2016;6:113-24.
- Ahrabi SF, Rohani M, Hamblin MR. Effects of photobiomodulation on motor function in Parkinson’s disease. Parkinsonism Relat Disord. 2022;93:77-83.
- Buendía I, Gómez-Rangel V, Bonilla-Campos A, Rivas-Arancibia S. Photobiomodulation as an adjunctive therapy in Alzheimer’s disease. Neurobiol Dis. 2022;168:105702.
- Lapchak PA. Transcranial near-infrared laser therapy. Neurotherapeutics. 2010;7(1):81-91.
- Lapchak PA, Salgado KF, Chao CH, Zivin JA. Transcranial laser therapy: Inflammation and heat response. Stroke Res Treat. 2004;35(2):643-9.
- Gaggi G, Valente D, Sasco A, La Torre M. Photobiomodulation in traumatic brain injury: Experimental and clinical insights. Front Neurol. 2024;15:908273.
- Menéndez RG, Marques C, Silva FS. Light therapy and cognitive enhancement: A narrative review. J Neurol Sci. 2020;412:116729.
- Lee J, Jung JH, Lee SH. Photobiomodulation therapy in patients with lumbar disc herniation. J Pain Res. 2023;16:1015-24.
- Kim T. Exploring the optimal parameters for non-thermal photobiomodulation. Lasers Med Sci. 2023;38(5):1453-62.
- Waypa GB, Marks JD, Guzy RD, Mungai PT, Schriewer JM, Dokic D, et al. Hypoxia triggers ROS production via photobiomodulation pathways. Free Radic Biol Med. 2016;96:353-62.
- Freitas LF, Hamblin MR. Proposed mechanisms of photobiomodulation for reducing hypoxia. Redox Biol. 2016;8:278-85.