Aspectos celulares e moleculares associados à asfixia perinatal
Autoras: Gabriela Dias Almeida , Laila Rossetti, Marina Diniz Barbezani
Ilustração: Débora Sterzeck Cardoso
Laboratório de Neurohistologia – Centro de Matemática, Computação e Cognição (Universidade Federal do ABC)
Em setembro de 2020 o Instituto Protegendo Cérebros Salvando Futuros lançou a campanha Setembro Verde Esperança, como uma forma de conscientizar a população, sobre a asfixia perinatal, seus riscos e cuidados pré-natais.
A asfixia perinatal, também conhecida pelo termo diagnóstico, encefalopatia hipóxico-isquêmica (EHI), é a terceira maior causa de morte neonatal, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), representando 23% dos óbitos de recém-nascidos no mundo. Além disso, a asfixia perinatal quando há sobrevida pode acarretar em lesões neurológicas graves e irreversíveis, sendo que as consequências dessa lesão podem ser notadas em aproximadamente 25% dos sobreviventes da asfixia perinatal.
Assim, diversos estudos realizados indicam que, dentre as sequelas decorrentes da asfixia perinatal, destacam-se a paralisia cerebral, epilepsia, Transtorno do Espectro Autista (TEA) e o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), além de transtornos psicóticos, como a Esquizofrenia e doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer. Quando a asfixia é prolongada ou grave pode resultar em déficits motores e cognitivos graves. Já a asfixia curta ou leve pode resultar em danos cerebrais mínimos, como os transtornos do neurodesenvolvimento citados, TEA e TDAH.
A asfixia perinatal, então, é caracterizada por um prejuízo no recebimento de oxigênio em recém nascidos no período perinatal (antes, durante ou nos primeiros momentos após o parto). Essa diminuição do acesso de oxigênio pode ser total, chamada de anóxia neonatal, ou parcial, conhecida como hipóxia neonatal, lembrando que é difícil distinguir se ocorreu anóxia ou hipóxia, e ainda, pode ou não ocorrer isquemia associada. Sendo assim, quadros de asfixia acometem cerca de 1/1000 nascidos vivos em países desenvolvidos e 5-10/1000 nascidos vivos em países em desenvolvimento, sendo os prematuros de baixo peso o grupo mais afetado, com um aumento de incidência de 60%.
A redução da quantidade de oxigênio no período perinatal pode ocorrer por diversas complicações, como problemas maternos, obstétricos e fetais, segundo a OMS, no qual destacam-se a hipertensão da gestante, o prolapso do cordão umbilical e o descolamento da placenta.
O comprometimento das trocas de oxigênio pode causar lesões cerebrais contínuas em recém-nascidos, desde as primeiras horas de vida até os primeiros meses. Quando o cérebro não recebe oxigênio suficiente, as lesões ocorrem em três fases. A primeira fase é marcada pela falta de energia nas células cerebrais, o que faz com que elas parem de funcionar corretamente. Isso leva ao inchaço das células e a uma entrada excessiva de cálcio, desencadeando reações tóxicas, inflamação e morte de células. Seguida por um período latente com duração de 6 a 12 horas. Na qual o cérebro apresenta uma aparente recuperação do seu metabolismo, mas ainda há inflamação e reações em cadeia que levam à morte celular, sendo o momento ideal para iniciar tratamentos que visam evitar e atenuar eventos das próximas fases da lesão.
Se a falta de oxigênio continuar ou for muito grave, a lesão progride para a fase secundária, que pode durar de horas a dias após a asfixia. Nela, o corpo produz substâncias que aumentam a inflamação, há uma morte massiva de células do cérebro, e também podem ocorrer convulsões. Por fim, a fase terciária, que pode persistir ao longo da vida do recém-nascido, é caracterizada por problemas na recuperação do cérebro, como dificuldade de formação de novas conexões, prejuízo da mielinização, inflamação contínua e dificuldades no desenvolvimento.
Apesar dos avanços da medicina, o diagnóstico e tratamento da asfixia perinatal ainda não são ideais. O diagnóstico pode ser obtido com base em observações clínicas, testes de sangue e exames de eletroencefalografia (EEG), no entanto esses métodos exigem experiência médica e recursos, que podem não estar presentes em regiões em desenvolvimento. Quanto ao tratamento, atualmente há apenas a hipotermia terapêutica, que pode ser utilizada em casos de asfixia moderada ou grave, sendo realizada em um período ideal de aproximadamente 6 horas após a asfixia. Porém, essa estratégia pode ser utilizada somente em não prematuros, ou seja, o grupo com maior incidência de asfixia perinatal se encontra desprotegido. Nesse sentido, atualmente, muitos pesquisadores se dedicam a estudar outras estratégias terapêuticas adjuvantes na tentativa de diminuir as sequelas decorrentes da asfixia perinatal.

Referências
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