DESVENDANDO O ENVELHECIMENTO
Maria Eduarda Stock, Maria Emanoelle de Oliveira e Alexandre Hiroaki Kihara
Ilustração: Théo Vasconcellos
Laboratório de Neurogenética / Centro de Matemática, Computação e Cognição / Universidade Federal do ABC
25/11/2024
O envelhecimento é um processo biológico complexo que deixa diversas marcas no funcionamento e na estrutura das células. No nível físico, é possível observar sinais de envelhecimento como alterações na pele, na postura, na cognição, e até em habilidades sensoriais como visão e audição. Mas como essas mudanças se manifestam no mundo microscópico? Quais alterações celulares e moleculares estão por trás do envelhecimento que é visto externamente?
Para analisar de maneira eficiente as mudanças moleculares que se desenvolvem com a idade foram estabelecidos 12 marcadores centrais do envelhecimento, responsáveis por todas as marcas observadas no nível microscópico. Eles incluem a instabilidade genômica, o encurtamento dos telômeros, as alterações epigenéticas, a perda de proteostase, a disfunção mitocondrial, a senescência celular, o esgotamento das células-tronco, as alterações na comunicação intercelular, a diminuição da sensibilidade a nutrientes, a inflamação crônica, a desregulação da microbiota, e a alteração na autofagia (Figura. 1). A análise de todos esses fatores e da interação entre eles permite compreender por inteiro o envelhecimento saudável e patológico.

PERDA DA INTEGRIDADE CELULAR
O envelhecimento celular é um processo complexo que envolve múltiplos mecanismos moleculares e epigenéticos. Embora todas as células de um organismo compartilhem o mesmo material genético, a expressão deste material varia substancialmente entre diferentes tipos celulares e tecidos. Essa variabilidade ocorre devido à epigenética, um conjunto de mecanismos que regulam a ativação ou repressão de genes específicos. Ao longo da vida, esses padrões de expressão genética sofrem alterações, o que pode modificar a identidade e a função celular. Em particular, o envelhecimento está associado à ativação exacerbada de genes pró-inflamatórios, o que contribui para quadros de inflamação crônica, um fenômeno comum em organismos idosos.
Outro fator importante no envelhecimento é a instabilidade genômica, que decorre do acúmulo de danos no DNA. As células são constantemente expostas a agentes ambientais estressantes, o que pode provocar erros de replicação, perda de bases nitrogenadas e quebras nas fitas de DNA. Normalmente, enzimas reparadoras corrigem esses danos, e células com danos irreparáveis seguem para a apoptose. No entanto, com o envelhecimento, esses mecanismos de reparo perdem eficiência, levando ao acúmulo de células com danos genômicos que escapam do processo de autodestruição, levando ao acúmulo de células comprometidas.
Adicionalmente, a diminuição dos telômeros se destaca como uma das alterações mais bem documentadas no envelhecimento celular. Os telômeros são estruturas formadas por sequências repetitivas de DNA nas extremidades dos cromossomos, e sua principal função é proteger os cromossomos de desgaste e fusão durante a divisão celular. Contudo, a cada divisão, os telômeros encurtam, já que a replicação do DNA não consegue copiar completamente todas as sequências. Esse encurtamento cumulativo, particularmente em células com alta atividade mitótica, pode levar à fusão cromossômica e à formação de células senescentes, comprometendo a estabilidade genômica e exacerbando o envelhecimento celular.
DISFUNÇÕES NO METABOLISMO
O envelhecimento induz diversas alterações celulares significativas, com impacto especialmente acentuado sobre a mitocôndria, organela crucial na conversão de glicose em energia. Durante o envelhecimento, essa organela sofre alterações que aumentam a produção de espécies reativas de oxigênio (EROs), compostos que danificam proteínas, lipídeos e ácidos nucleicos. Essas mudanças contribuem para a disfunção mitocondrial, o que aumenta a quantidade de células senescentes, que liberam citocinas pró-inflamatórias exacerbando a inflamação e acelerando o envelhecimento celular. Além disso, a disfunção mitocondrial prejudica células-tronco adultas, comprometendo a capacidade de renovação celular em diversas regiões do corpo.
Outro aspecto importante para a saúde celular é a manutenção da proteostase, o equilíbrio proteico necessário para o bom funcionamento do organismo. A proteostase envolve mecanismos de síntese e degradação de proteínas, mas, com o avanço da idade, essa capacidade diminui, o que leva ao acúmulo de proteínas malformadas e tóxicas dentro das células. Esse acúmulo é particularmente problemático em tecidos neurais e está associado ao desenvolvimento de doenças neurodegenerativas mais prevalentes em idosos.
Além disso, ocorre uma desregulação nas vias de sinalização de nutrientes, como a via da insulina e a via do mTOR, ambas essenciais para a homeostase metabólica. A resistência à insulina reduz a capacidade das células de absorver glicose, levando ao aumento dos níveis de glicose no sangue e ao risco de doenças metabólicas, como o diabetes tipo 2, enquanto a via mTOR, que regula o crescimento celular e a síntese proteica em resposta a nutrientes, tende a se tornar hiperativa com o envelhecimento. Essa hiperatividade está associada a desordens na homeostase energética e proteica, além de afetar a autofagia e o controle da resposta imunológica, contribuindo para o avanço do envelhecimento.
ALTERAÇÕES NO CICLO CELULAR
As células-tronco desempenham um papel essencial na renovação e reparação dos tecidos, pois possuem a capacidade de se diferenciar em variados tipos celulares especializados, substituindo células danificadas ou mutadas. Contudo, com o envelhecimento, a funcionalidade dessas células é reduzida, o que prejudica sua capacidade de diferenciação e, consequentemente, compromete a regeneração dos tecidos. Esse declínio também afeta a capacidade das células-tronco de manter o sistema imunológico e a proteostase, gerando uma cascata de efeitos prejudiciais que comprometem a saúde celular e a funcionalidade dos tecidos.
Paralelamente, o envelhecimento é caracterizado por um aumento no acúmulo de células senescentes. Estas células entram em um estado de cessação permanente da replicação em resposta a diversos estressores, como hipóxia, disfunção mitocondrial e privação de nutrientes. O acúmulo dessas células eleva também a secreção do SASP (Senescence-Associated Secretory Phenotype), um conjunto de citocinas pró-inflamatórias que intensificam o quadro de inflamação crônica. O SASP não só exacerba a inflamação, mas também contribui para o desenvolvimento de tumores e o aumento na produção de radicais livres, intensificando o estresse oxidativo e prejudicando ainda mais o ambiente celular. Assim, o aumento das células senescentes e a consequente ativação do SASP geram um ciclo vicioso que agrava o desgaste celular e acelera o envelhecimento dos tecidos.
IMPLICAÇÕES DO ENVELHECIMENTO
O envelhecimento representa um fenômeno biológico altamente prevalente e que impacta profundamente a saúde pública. Com o avanço da idade, ocorre um declínio nas funções celulares, que favorece o desenvolvimento de doenças crônicas como a diabetes tipo II e degenerativas como a doença de Alzheimer.
É válido ressaltar que esse processo não afeta apenas os indivíduos, mas impõe desafios generalizados aos sistemas de saúde, que devem se adaptar para oferecer cuidados especializados para essa população. Assim, compreender e enfrentar o envelhecimento é fundamental para promover qualidade de vida e bem-estar.
Referências
- Hennekam RCM. The external phenotype of aging. Eur J Med Genet. 2020 Nov;63(11):103995. doi: 10.1016/j.ejmg.2020.103995. Epub 2020 Jul 26. PMID: 32726674.
- López-Otín C, Blasco MA, Partridge L, Serrano M, Kroemer G. Hallmarks of aging: An expanding universe. Cell. 2023 Jan 19;186(2):243-278. doi: 10.1016/j.cell.2022.11.001. Epub 2023 Jan 3. PMID: 36599349.
- Klaips CL, Jayaraj GG, Hartl FU. Pathways of cellular proteostasis in aging and disease. J Cell Biol. 2018 Jan 2;217(1):51-63. doi: 10.1083/jcb.201709072. Epub 2017 Nov 10. PMID: 29127110; PMCID: PMC5748993.
- Rudolph KL. Stem cell aging. Mech Ageing Dev. 2021 Jan;193:111394. doi: 10.1016/j.mad.2020.111394. Epub 2020 Nov 9. PMID: 33181161.
- Gorgoulis V, Adams PD, Alimonti A, Bennett DC, Bischof O, Bishop C, Campisi J, Collado M, Evangelou K, Ferbeyre G, Gil J, Hara E, Krizhanovsky V, Jurk D, Maier AB, Narita M, Niedernhofer L, Passos JF, Robbins PD, Schmitt CA, Sedivy J, Vougas K, von Zglinicki T, Zhou D, Serrano M, Demaria M. Cellular Senescence: Defining a Path Forward. Cell. 2019 Oct 31;179(4):813-827. doi: 10.1016/j.cell.2019.10.005. PMID: 31675495.
- Li Y, Berliocchi L, Li Z, Rasmussen LJ. Interactions between mitochondrial dysfunction and other hallmarks of aging: Paving a path toward interventions that promote healthy old age. Aging Cell. 2024 Jan;23(1):e13942. doi: 10.1111/acel.13942. Epub 2023 Jul 27. PMID: 37497653; PMCID: PMC10776122.
- Kaushik S, Tasset I, Arias E, Pampliega O, Wong E, Martinez-Vicente M, Cuervo AM. Autophagy and the hallmarks of aging. Ageing Res Rev. 2021 Dec;72:101468. doi: 10.1016/j.arr.2021.101468. Epub 2021 Sep 24. PMID: 34563704; PMCID: PMC8616816.
- LIFESPAN.IO. Epigenetic Alterations. Disponível em: https://www.lifespan.io/topic/epigenetic-alterations/. Acesso em: 12 nov. 2024.
- LIFESPAN.IO. Genomic Instability. Disponível em: https://www.lifespan.io/topic/genomic-instability/. Acesso em: 12 nov. 2024.
- LIFESPAN.IO. Telomere Attrition. Disponível em: https://www.lifespan.io/topic/telomere-attrition/. Acesso em: 12 nov. 2024.
- MICROBE NOTES. DNA Damage and Repair: Types and Mechanism. Disponível em: https://microbenotes.com/dna-damage-and-repair/. Acesso em: 12 nov. 2024.
- WEICHHART, T. mTOR as Regulator of Lifespan, Aging, and Cellular Senescence. Aging (Albany NY), v. 10, n. 7, p. 1628-1629, 2019. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6611156/. Acesso em: 12 nov. 2024.
13. LIFESPAN.IO. Deregulated Nutrient Sensing. Disponível em: https://www.lifespan.io/topic/deregulated-nutrient-sensing/. Acesso em: 12 nov. 2024.