Você sabe o que é a Síndrome do Bebê Sacudido?
Gabriela Dias Almeida e Bruna Petrucelli Arruda
Ilustração: Théo Vasconcellos
Laboratório de Neurohistologia / Centro de Matemática, Computação e Cognição / Universidade Federal do ABC
08/11/2024
Você sabe porque não é correto sacudir um bebê ou uma criança? Se você está lendo esse texto e não sabe a gravidade de tal ato, te convido a entender sobre a Síndrome do Bebê Sacudido (SBS) ou Traumatismo Cranioencefálico Abusivo Pediátrico (TCA), e o que a neurologia e a neurociência tem a dizer sobre esse tópico, que é pouco discutido, divulgado e até estudado, mas que pode gerar sequelas graves, irreversíveis e até morte.
O Traumatismo Cranioencefálico Abusivo Pediátrico, antes conhecido como Síndrome do Bebê Sacudido, se trata de um tipo de Traumatismo Cranioencefálico (TCE) resultante de uma forte sacudida em um bebê ou criança, que gera movimentos de aceleração e/ou desaceleração sobre o eixo cervical. Tal movimento, geralmente realizado de forma abrupta e violenta, provoca hiperflexão e hiperextensão no pescoço e na cabeça, que tem por consequência lesões no crânio e nos componentes intracranianos de um bebê ou criança com menos de 5 anos (Figura 1). [1,2]
A Academia Americana de Pediatria (AAP) define a TCA como “constelação bem reconhecida de lesões cerebrais causadas pela aplicação direcionada de força (tremor ou impacto direto) em um bebê ou criança pequena, resultando em lesão física na cabeça e/ou seu conteúdo.” [3]

Estudos realizados nos Estados Unidos mostram que 32-38 a cada 100.000 nascidos vivos são admitidos no hospital vítimas de traumatismo cranioencefálico não acidental todos os anos. Além disso, cerca de 1640 crianças morrem anualmente, vítimas de TCA. A faixa etária abrange entre 0-4 anos, porém, estudos mostram que as principais vítimas têm entre 3 e 8 meses. Sendo assim, o TCA é uma das formas mais graves de abuso infantil e é a principal causa de morte por abuso em criança, em todo mundo. No Brasil, entretanto, ainda não existem estudos epidemiológicos sobre a prevalência de TCA na população. [4,5]
Isso nos leva a pensar sobre as causas desse tipo de violência. Elas são bem variadas, mas a principal está relacionada ao choro da criança, principalmente devido à cólica nos primeiros meses de vida. Além disso, baixo peso ao nascer e prematuridade, aumentam as chances devido a maior rejeição dos pais. Outros fatores importantes que contribuem com este tipo de violência são a situação socioeconômica e histórico de transtorno psicológico dos pais ou cuidadores.
Os sintomas clínicos incluem distúrbios de consciência, convulsões, náuseas/vômitos, abaulamento da fontanela, hipotermia, choque e respiração irregular. Em caso de TCA leve os sintomas podem não ser evidentes em um primeiro momento, mas podem aparecer no futuro, principalmente em casos em que a criança é submetida a novos episódios de violência. Além disso, elas apresentam hemorragia subdural, retiniana e encefalopatia, que na clínica é a tríade para o diagnóstico de TCA. Aqui, é de grande importância ressaltar que o diagnóstico quando uma criança se apresenta ao hospital é atualmente abaixo do ideal, com uma estimativa de 1/3 dos casos perdidos ou diagnosticados incorretamente. [5]
Destaca-se a gravidade relacionada ao baixo índice de diagnóstico correto, uma vez que, é possível diferenciar um episódio de TCE de um episódio de TCA, no qual, em um TCE acidental as crianças apresentam hemorragia retiniana unilateral, hemorragia epidural e fratura isolada no crânio. Já em TCA, geralmente a hemorragia retiniana é bilateral, e elas apresentam hemorragia subdural, múltiplas hemorragias, convulsões, hemorragia intracerebral sem fratura no crânio, além de fraturas da coluna cervical e lesões vasculares cervicais.
As principais sequelas são déficits visuais como, agnosia visual, heterotopia, cegueira cortical ou déficits de acuidade visual, além de, déficits de fala e linguagem, déficits motores, distúrbios do sono, déficits de atenção e distúrbios comportamentais. Os tratamentos são principalmente de assistência na admissão da criança no hospital, com verificação constante da respiração e de episódios de convulsão, mas estudos mostram que muitos bebês e crianças com TCA necessitam de intervenção neurocirúrgica, principalmente devido a hipertensão intracraniana. Em casos de hipóxia-isquemia as crianças podem ser submetidas a hipotermia terapêutica. [5]
A fisiopatologia da doença começa no momento em que ocorre a lesão com a força de aceleração e desaceleração que fazem com que o encéfalo colida com o crânio na parte da frente e atrás da cabeça, resultando nas hemorragias subdurais. A causa da lesão retiniana não é bem descrita, mas esses eventos caracterizam a lesão primária, que é dano direto ao tecido neuronal, que incluem a lesão axonal. Também existe uma lesão secundária, que é a complicação da lesão primária, com a ocorrência de eventos biomoleculares, tais quais, excitotoxicidade, estresse oxidativo, neuroinflamação e morte celular. [5]
Tendo isso em vista, o número de casos de crianças que sofrem de TCA, a falta de estudos epidemiológicos a respeito do número de casos na população, o baixo número de diagnósticos e diagnósticos indevidos, revelam a grande importância de estudos que busquem entender os eventos fisiológicos melhor e buscar tratamentos. Nesse sentido, estudos pré-clínicos são essenciais, mas também muito escassos na literatura. Alguns estudos com animais de pequeno e grande porte foram realizados, e os insultos decorrentes de TCA observados, entretanto, nenhum modelo mimetiza de forma abrangente a lesão.
Portanto, enquanto os médicos e neurocientistas trabalham e fazem o que eles sabem de melhor, promover a busca científica por respostas, cabe a nós conscientizar o maior número de pessoas possíveis, sobre essa síndrome que é tão pouco falada, mas que gera consequências tão graves. Que tal transmitir essa informação para várias pessoas que você conhece? Essa é uma forma de espalhar a ciência para promover o bem-estar de todos!
Referências
1. O’Meara AMI. et al. Advances and Future Directions of Diagnosis and Management of Pediatric Abusive Head Trauma: A Review of the Literature. Frontiers in Neurology, Sec.Neurotrauma. (2020) 11:1-12.
2. Chiesa A, Duhaime AC. Abusive head trauma. Pediatr Clin North Am. (2009) 56:317- 31.
3. Christian CW. et al. Abusive head trauma in infants and children. Pediatrics. (2009) 123:1409-11
4. Lopes NRL. et al. Abusive head trauma in children: a literature review. Jornal de Pediatria. (2013) 89:426−433.
5. Harris.S. et al. Shaking Up Our Approach: The Need for Characterization and Optimization of Pre-clinical Models of Infant Abusive Head Trauma. Journal of Neurotrauma. (2024) 41:15-16.